Conhecida também como “esgotamento profissional”, essa síndrome acomete sobretudo quem trabalha no atendimento direto de pessoas.
O tratamento implica uma mudança de comportamento em favor de uma vida equilibrada
“CONHECI, aos 17 anos, uma instituição religiosa. Proveniente de um ambiente sem prática espiritual, fiquei deslumbrada com a proposta evangélica que me apresentaram”, conta Marta (nome fictício). “Deixei todos os meus amores e projetos e... entrei de cabeça!”
Ela afirma que, por mais de duas décadas, se dedicou com exclusividade, de forma intensa e incansável àquela proposta. “Não tinha sábado nem domingo, nem um sofá para me estirar e chamar de ‘meu’.” A alegria proveniente dos frutos daquele trabalho a levava a seguir adiante, sem se dar conta do tempo que passava ou “prever o que estava por vir”.
Aos 40 anos, Marta começou a sofrer com insônia. No início, mesmo dormindo apenas uma hora por noite, na manhã seguinte, “ligava o motor no 220 e partia para o ataque”, chegando a dedicar até 18 horas por dia às suas atividades laborais. Ela reconhece que, por outro lado, havia uma cobrança velada, uma pressão contínua por parte da sua instituição.
Diante da primeira crise de estafa, a solução foi tirar um mês de férias. Porém, ainda no recesso, recebeu a notícia de que sua irmã mais nova tinha sido diagnosticada com leucemia aguda.
Como não tinha mais os pais, Marta correu para cuidar dela. Por um ano, esteve disponível noite e dia até o falecimento da irmã, tendo que conviver também com o efeito psicológico que essa perda gradual exercia sobre ela.
Foi, então, que teve uma nova crise de estafa. Mesmo depois de oito meses de afastamento do trabalho, ao tentar voltar à rotina, Marta se deu conta, afinal, de que algo estava bem errado com ela. “Cheguei ao fundo poço”, diz. Ainda que contasse com a ajuda da sua comunidade para superar a sensação de desânimo e esgotamento, sentia “um mal-estar indefinível”, agravado por vômitos constantes e uma dor de cabeça perene.
SINTOMAS E CULTURA ORGANIZACIONAL
Marta é um exemplo típico de quem sofre com a Síndrome de Burnout, cada vez mais comum entre profissionais que atuam no cuidado e na atenção a outras pessoas, como professores, pessoal da área de saúde, policiais, religiosos, entre outros, e têm o próprio corpo como instrumento principal do seu trabalho, explica o médico psiquiatra argentino Roberto Almada. Especialista com formação na área da Logoterapia (fundada pelo médico neuropsiquiatra austríaco Viktor Frankl), Almada é também autor do livro O cansaço dos bons: a logoterapia como alternativa ao desgaste profissional, publicado pela Editora Cidade Nova.
Ele explica que o histórico de quem desenvolve Burnout tem início com um grande entusiasmo pela atividade laboral exercida, o qual, com o tempo, é tomado por um cansaço e pela desmotivação. “É justamente o contato com as pessoas o fator de cansaço, razão pela qual os profissionais com esse problema tendem a desejar manter-se distante dos outros”, afirma Almada.
Além de desenvolver problemas de natureza física (como dores musculares e de cabeça), os indivíduos acometidos pela síndrome podem até chegar a um estado de depressão. Somado a isso, esses profissionais criam dificuldades para a organização ou empresa para a qual trabalham, na medida em que suas ausências são contínuas.
Em razão desse quadro, há muitas instituições que têm buscado rever sua cultura organizacional, já que elas – quando
sobrecarregam o funcionário com pressão e cobranças – contribuem para os casos de Burnout. Roberto Almada relaciona também esse distúrbio a certos valores culturais da sociedade atual, como o consumismo e a competição. “As pessoas são associadas a coisas que se pode usar e jogar”, afirma o médico.
Em muitos casos, ainda há empresas que, ao invés de cuidarem ou protegerem seus empregados, simplesmente transferem aqueles com problemas para outros setores ou os mantêm afastados do trabalho, o que não ajuda na sua recuperação, conclui o médico. Por outro lado, a difusão de informações sobre essa síndrome ajuda na sua prevenção na medida em que o paciente deixa de ser visto com preconceito.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO
A jovem Maria (nome fictício) é outro exemplo de quem adquiriu Burnout. Ela diz que se sentiu surpreendida quando, num dia normal de trabalho, após o almoço, teve, “do nada”, uma crise de ansiedade. “Achei que estava tendo um ataque cardíaco”, conta.
Depois de vivenciar outras vezes essa mesma situação, decidiu buscar ajuda especializada. Na oportunidade, o psiquiatra lhe disse que ela precisava aprender a extravasar, já que aquelas
crises eram sinais que o seu corpo estava dando de que algo estava errado com ela. Funcionária de uma grande companhia, esposa e mãe de duas crianças pequenas, ela vivia para os seus compromissos. “Achava que dava conta de tudo e deixei de cuidar de mim mesma”, revela.
Maria afirma que não podia imaginar que esse tipo de situação pudesse lhe acontecer.
Aliás, antes, ao saber de casos semelhantes de colegas, não deu muito crédito. De fato, as pessoas tendem a subestimar problemas de ordem emocional ou psicológica, avalia a jovem. Dada a situação limite em que se encontrava, Maria teve que se submeter a um tratamento medicamentoso e iniciar terapia.
Mas o seu médico foi claro: ela precisava mudar de vida, e uma das principais tarefas nesse sentido era reservar momentos para cuidar de si, para o lazer.
Com efeito, segundo o médico Roberto Almada, uma vida equilibrada, que abre espaço para práticas esportivas, para o lazer ou outras atividades prazerosas são exigências fundamentais para evitar problemas como a Síndrome de Burnout. Ele diz que é preciso também não se deixar levar por pensamentos equivocados, como achar que para que as coisas andem bem no trabalho, em casa ou em outro ambiente, tudo depende apenas da pessoa.
“Aprendi, a duras penas, que é preciso saber me gerenciar, que tenho que conseguir dizer ‘não’ quando necessário”, testemunha Marta.